O dia a dia e a vida de um dos fundadores do salão Os Bahiano's
Por Leo Pinheiro
“Boa Tarde boy”.
É assim que o cabeleireiro Luis Carlos me cumprimenta assim que eu entro no
salão. Quase não escuto o que ele diz por causa do barulho que parece fazer
parte da fauna do lugar, a secadora de cabelos. Baiano, virginiano, natural do
município de Amargosa/BA, demonstra alta habilidade na arte de ser cabeleireiro.
Com estilo despojado,
usando uma camisa pólo azul-jeans, bermuda xadrez com as cores branco e cinza,
e um tênis Nike branco no pé, ele demonstra um jeito todo
brincalhão com as pessoas. Mas muda de semblante completamente quando pega em
uma tesoura, seu ar de moleque é substituído por uma seriedade sem tamanho, uma
concentração alcançada apenas pelos monges tibetanos, ou por alguém que
realmente faz o que ama. Seriedade que seu irmão mais novo Ailton parece já ter
domínio, porque demonstra ela o tempo todo, ele também esta concentrado
cortando o cabelo castanho escuro com luzes claras de uma jovem. Se veste de
forma mais sóbria que seu irmão mais velho, com uma camisa pólo cinza, calça
jeans básica e um sapatênis azul com detalhes vermelhos.
Um salão, muitas vidas
São 14h30min, e o salão já
mostra grande movimento. Todas as três manicures estão ocupadas traçando o
melhor desenho para as unhas das suas clientes, de acordo com o perfil de cada
uma, duas são senhoras e a terceira é uma jovem com pouco mais de 20 anos.
Apesar da gelada tarde de sábado, o clima no salão é quente graças às secadoras
e a água quente dos lavabos.
O salão é bem confortável,
embora pequeno. O frente não tem nada que chame à atenção das pessoas a
primeira vista, a parede é de tijolo liso, há uma parede de vidro com uma foto
ampliada da atriz, cantora e modelo Lindsay Lohan, já por dentro as pessoas têm
outra perspectiva do lugar, a direita de quem entra é onde a arte acontece,
duas cadeiras metálicas com clientes sentadas tendo seus cabelos modelados
pelas mãos dos irmãos. Do lado esquerdo tem 6 mesinhas de manicure, apenas 3
estão no salão da frente, as outras estão ou no salão do fundo ou almoçando, já
que o movimento ainda está controlável. No canto direito ao fundo o ambiente já
é mais hospitaleiro, é onde ficam os cremes e toalhas para lavar os cabelos dos
clientes, fica o bebedouro, bolachas cream craker e com
recheio de chocolate, uma garrafa de chá e café que eu não tive o prazer de
provar ainda – embora o Luis me oferecesse insistentemente –, as garrafas
“brigam” por espaço com os mais de 20 certificados de diversos cursos
pendurados em todos os espaços, para mostrar que “cabelo é coisa séria” nas
palavras do profissional.
Apesar de passar muitas
vidas pelo salão, todas elas parecem estar ligadas por uma mesma “teia”. Todos
que entram no salão fazem quase que a mesma questão: “E aê Luis como você está?
Como está a sua filhinha?”. Mostrando uma relação que passa do superficial,
entrando na epiderme da pessoalidade.
No meio do salão estão
estrategicamente as revistas, que ficam cuidadosamente dispostas entre os dois
bancos prata de 3 lugares cada um, elas estão penduradas como roupas em um
varal que esperam ser recolhidas. As revistas no geral são de fofocas de famosos,
programação noveleira e de moda, em especial de cortes de cabelo. No teto do
lugar tem uma cuidadosa iluminação com uma mistura de lâmpadas incandescentes
longas e curtas, e, do lado esquerdo do salão há um vitral no teto, com vidros
geométricos embaçados brancos e contornos pretos para onde eu fiquei olhando
atentamente por quase 20 minutos admirando sua delicadeza.
O senhor sentado ao
meu lado que devorava avidamente o conteúdo de uma revista de fofocas é
finalmente chamado por Luis, “O senhor já pode vir”. Até o momento eu achava
que se tratava apenas de um cliente qualquer, mas logo quando o velho homem
senta na cadeira, olha atentamente para o Luis pelo reflexo do espelho e diz
sem motivo aparente “Todo mundo vê o que você tem agora, nem sabe o que teve
que sofrer para estar aqui”. Essa conversa vai longe, passando pelos mais
variados assuntos, crescimento de vida, de como ele tinha chegado longe, o que
passou.
Mas nem tudo
é seriedade, no meio dos assuntos arranjam tempo para falar de futebol, e o
assunto é um só: Pelé. “Eu acho que ele deve ter uma parte do Santos”, diz o
cabeleireiro enquanto aparava na tesoura as poucas madeixas que o senhor
possuía em sua cabeça, e continua, “Os americanos começaram a gostar de futebol
depois que o Pelé foi pra lá!”. Nisso a conversa toma outro rumo, os craques de
ontem versus os craques de hoje, Neymar e Kaká travam uma disputa imaginária
contra Romário e Bebeto pelo título de craque das gerações, disputam nos
quesitos: técnica, velocidade, potência, gols marcados, polêmicas, e tudo mais
que possa ser comparado. Dá empate, dizem que não tem como colocar os craques
de ontem com os de hoje em iguais situações, “O Bebeto e Romário estão velhos,
e o modo dos jovens jogarem é diferente, só se tivesse como colocar os 4 no
auge para jogarem. Pena que não dá”, diz com cara de lamento o velho senhor.
Talvez o lamento venha por saber que vai chegar ao fim da vida sem saber o
resultado do tal jogo imaginário.
Enquanto essa conversa
descontraída ocorre, outras duas manicures voltam do almoço, atrás das mesas
onde elas trabalham se escondem de forma estratégica duas meninas, uma é morena
e filha da manicure a outra é loira filha de uma das clientes, elas jogam UNO,
enquanto as mães conversam no mesmo clima que o Baiano e o velho, no outro lado
do salão.
A amizade é tão
grande no lugar, que diversas vezes, familiares dos clientes ligam no salão
apenas para falar com os eles, “Natascha a sua mãe está no telefone!”, diz a
manicure para a garotinha loira, que agora desistiu de jogar UNO para brincar
com palitinhos de limpar unha.
O salão tem grande
movimento, apenas na parte da frente tem 17 pessoas, a conversa sobre futebol
chega a seus momentos finais, agora o tema é o Flamengo, após falarem do caso
Bruno e o futuro do time carioca, o homem vai embora sorrindo de satisfação com
o novo visual, acariciando o pouco cabelo que tem de tal forma que parece
averiguar se eles ainda estão no lugar de origem, como última linha que o liga
a sua distante juventude física e o colocasse finalmente na categoria
denominada de “terceira idade”.
Já na cadeira ao lado,
Ailton está no final de sua mais recente obra, “É um penteado semi-preso”, ele
me diz, mostrando do que se trata essa técnica de corte, ele ondula o cabelo da
linda jovem no auge de seus 20 anos, os cachos se dispõem pelo rosto da menina
tornando a paisagem mais harmônica, seu rosto fica mais leve. Parte do salão
para de funcionar apenas para ver como vai ficar. Um prendedor de borboleta é
analiticamente escolhido, o “grand-finale” da obra. Todos os funcionários tiram
fotos do penteado da moça, “Ficou lindo!” disse a jovem com um olhar tão
brilhante que pode ser comparado com as lâmpadas azuis, amarelas e vermelhas da
árvore de natal de quase 3 metros que está no salão.
-Vai ficar tudo enrolado
assim?! – a mãe da menina questiona.
- Não mãe, a noite ele
desmancha... – a filha retruca, para ela não acabar com o clima da jovem.
- Se não desmanchar você
vai ficar de topete. – Diz a mãe com uma risada como se estivesse
pré-visualisado a cena.
A mãe
risonha é cliente dos dois a mais de 10 anos, desde que eles trabalhavam em
outro salão com o tio, “Eles trabalham bem, ótimo atendimento, simpáticos”, diz
Maria Auxiliadora, jovem senhora de 48 anos, chamada carinhosamente de “Dora”
pelos dois irmãos. Ela fala algo que acha primordial, e que ainda faz com que
ela venha ao lugar, mesmo tendo mudado para um bairro distante, “O que
diferenciam eles é o contato humano”. Para de falar, pois o marido chega para
buscar ela e a filha, que vai embora toda reluzente do salão com seus novos
cachos cor de mel.
Ecossistema próprio
Os dois telefones do salão
não param de tocar um minuto sequer, chega um ponto em que os próprios clientes
atendem ao telefone, porque todos estão ocupados, menos a filha de uma das
manicures, uma jovem de pele morena chamada Luana, tem uns 13 anos no máximo,
ela observa outra garotinha, mais jovem que ela, com uns sete anos. Angelical,
a garotinha se lambuza totalmente com seu sorvete Kibon de creme e chocolate, e
Luana cai na gargalhada, as duas acabam brincando na mesa de manicure com os
esmaltes. Começa uma amizade, mesmo que dure apenas o tempo do pai da menina ir
embora.
As vidas das pessoas
acabam se entrelaçando diretamente ou indiretamente, talvez pelo fato delas
ficarem algum tempo esperando para serem atendidas. Isto faz com que elas
precisem fazer algum tipo de contato mais íntimo com as pessoas do salão,
afinal, elas que vão tornar esses homens e mulheres mais bonitos, seja por um
novo corte de cabelo ao mais simples esmalte de unha.
Com isso outras pessoas
podem lucrar informalmente com o salão, além dos donos, a PM Yara é uma delas.
De rosto alegre, mas olhar sério, me olha com ar de desconfiança quando vê que
estou com um bloquinho e caneta anotando tudo o que via e ouvia. O que faz com
que ela vá para os fundos do salão e fique olhando para o lado da frente do
estabelecimento, além de trabalhar na Polícia Militar, ela lucra com o comércio
de perfumes para os irmãos de Amargosa. Em menos de 20 minutos a Yara vai
embora.
Pouco tempo depois uma
cliente vai para o fundo do salão e volta com uma caixa de isopor, R$2,50 é o
preço do bolo que a mulher de camiseta branca com listras azul marinho vende.
Eu compro um de chocolate, que para mim parece mais uma “mousse” do
que um bolo, mas fico espantado com o capricho da moça, o bolo tem um creme
colocado em formas de gotas por todo o redor do doce, e no meio do bolo, como que
colocado por um matemático, é colocado uma cereja exatamente no seu centro.
Apesar do grande movimento
por todo o dia, os funcionários nunca deixam de ser solícitos com as pessoas do
salão, sempre tem alguém que passa oferecendo café enquanto os clientes
esperam, eu aceito um cafezinho. Está ótimo. Quente e doce.
Luis sempre me interrompe
para me explicar quais cortes ele faz em suas clientes, “Então Victor você ta
vendo? Isso é um degradê, esse repicadinho aqui ó”, e no outro ele fala, “
Aquele cabelo ali é um reflexo”, me dando uma verdadeira aula de corte, admito.
Família-salão
Estou a horas no
salão Os Bahianos e não consigo conversar com o Luis, por
causa da clientela, a todo instante eu tento numerar as pessoas do salão, não
há menos de 10 pessoas no lugar. O salão tem a entrada principal, que fiquei a
maior parte do tempo, no fundo há um corredor onde tem um banheiro, duas salas
de depilação e outro salão à esquerda, já no fundo do corredor à direita têm
outra sala para lavar os cabelos das clientes do segundo salão, uma sala de
massagem, a cozinha para esquentarem suas refeições e o depósito de cremes,
perfumes entre outras coisas.
Consigo numa sala de
depilação vazia conversar com uma manicure que foi até lá para mexer na sua
bolsa, celular, e tentar por uns minutos voltar à sanidade daquela correria que
estava o salão, em meio a tanta correria e barulheira, pois estava tendo a
corrida de F-1 na TV. Quando pergunto a Silvanete da Silva, manicure de 43
anos, olhar ágil, corpo cansado e pele morena sobre o que acha dos irmãos, ela
é objetiva “Dois tranqueira, mas é gente boa”, diz com uma leve gargalhada. Ela
realmente sabe o que diz, pois os conhece a mais de 16 anos, desde a época em
que eles trabalhavam com o tio Fernando em seu salão, o Reis
Cabeleireiros, ela conheceu o Ailton em 1994, quando ela trabalhava para o
tio dele, e foi conhecer o Luis apenas dois anos depois “pois ele morava em
Guarulhos e trabalhava em outro salão, no bairro de Santana”, quando ele veio
de Guarulhos para trabalhar com o tio ele “já tinha mais experiência”, diz ela,
com um olhar que parece que viajou para aquele tempo num simples piscar de
olhos. E depois volta para fazer a unha de mais uma cliente que a espera.
Voltando para o salão
principal eu olho cuidadosamente cada sala, e todas têm pelo menos 6
certificados dos funcionários, seja ele depilador, massagista ou apenas
ajudante. Num canto remoto em meio a tantos certificados eu vejo 6 medalhas de
maratonas, “São do meu irmão, ele sempre compete, nunca ganhou nada. Mas as
medalhas estão aí”, Luis diz sobre seu irmão.
Fico em uma mesa de
manicure escutando uma conversa de uma senhora de cabelo Chanel,
óculos de armação preta, blusa de mesmo tom com costura nos braços, toda
moderninha com seus brincos de metal. Ela conversa com a Luana, o assunto é seu
aniversário:
- O que você quer ganhar?
- Se eu pudesse queria
ganhar um celular igual ao seu. – Luana vai direto ao ponto.
A senhora moderna se chama
Zenaide da Silva Souza, na juventude dos seus 51 anos diz que trabalhar ali é
“maravilhoso por vários motivos”, os define como “espetaculares” e os dois
“oferecem um bem estar pra trabalhar”. Eles que “são o forte do salão”, ao
todo, são 15 funcionários fixos, entre os quais são 4 cabeleireiros, mas
Zenaide diz que os irmãos fundadores do salão são os mais ágeis com a tesoura e
o pente na mão, sendo que vários dias eles nem tem tempo para almoçar.
O salão fica com a sua
capacidade máxima da noite, por volta de 30 pessoas, 23 apenas no ambiente onde
eu estou. Nessa hora o tio dos dois chega. Fernando, a pessoa que iniciou Luis
e Ailton no ramo do cabelo vai ao salão para ajudá-los com o movimento, com
camisa rosa clara, calça social e sapatos pretos. Um bigode grisalho que se
mistura com o seu pouco cabelo nas laterais da cabeça igualmente brancas,
barriga sobressalente, faz com que ele pareça um nobre senhor de terras, ou a
um político longe dos palanques, totalmente à vontade. Vem apenas de final de
semana ajudá-los, pois mora em Sorocaba, onde tem o seu salão. Ele fica na
parte de corte e hidratação.
Esse tio por causa de um
acidente de bicicleta na praia quebrou a clavícula há uns três anos atrás, isso
fez com que ele não agüentasse a rotina com os cabelos e vendesse o Reis
Cabeleireiros para outra pessoa. Hoje ele tem outro salão que apenas
administra.
“O que faz o salão ter
tanto movimento é que ele é o único na região que abre aos domingos e feriados.
Ele cresceu 100%, se dedica muito, faz curso, ele ama demais cortar cabelo”, na
opinião de Cosme Rangel de Jesus, 38 anos, amigo de Luis desde que ele e o
irmão começaram com o tio em 1995. Para todos eles o salão é praticamente
perfeito, a não ser por uma coisa, a espera, “às vezes tem 10 pessoas na fila
para cortar o cabelo” diz o terceiro cabeleireiro do local, Sandro de apenas 19
anos, mas cabeleireiro a 3 anos e já com um curso internacional no currículo,
“fiz em Buenos Aires, curso de cortes e química, pode colocar na matéria”.
Coloquei.
São quase 22h e nem ao
menos consigo conversar com o Luis, tirando pequenas prosas entre um corte e
outro, ainda tem muito cabelo a ser cortado, o horário dele ir embora é quando
“o último cabelo é cortado”, já ficaram até 1h abertos, fechando apenas porque
não tinha mais nenhuma alma viva na rua. “Se tivesse gente ainda, estaríamos
atendendo”, Sandro diz.
Consigo falar com ele
Domingo à
tarde. O tempo está totalmente antagônico ao dia anterior, agora o dia está
insuportavelmente ensolarado e abafado, faltam 20 minutos para as 18h, o salão “teoricamente” fecharia às 16h,
mas eles não haviam cortado o “último cabelo
ainda”, Luis me cumprimenta entusiasmado com a matéria, aparece mais bem
vestido, com uma camiseta branca lisa da TNG, bermuda jeans e seu tênis Nike preto,
aparece de barba feita também, talvez por causa das fotos que eu estava batendo
dele e seus cortes.
Sandro adora fazer pose em
frente à câmera, com seu ar jovem e galanteador, muitas mulheres vão cortar
apenas com ele. O flerte é inevitável. Sempre solícito, chama as suas clientes
de “lindas”, e muitas ficam com os olhos brilhando, talvez pelo fato de estarem
a horas no salão ficando bonitas para seus maridos e não ouvir um elogio sequer
quando chegam em casa, mulheres assim, um simples elogio do seu cabeleireiro se
torna algo importantíssimo para sua estima fragilizada. Pode ser esse um dos
motivos para o flerte com o rapaz.
Hoje aparece uma nova
figura no salão, seu nome é João Batista, 49 anos, cabeleireiro e maquiador
freelancer do salão, ajuda apenas nos finais de semana, quando tem muito
movimento, assim como o Fernando. Seus trajes são uma camisa social branca,
bermuda xadrez preto e cinza e um tênis branco e vermelho da Penalt, pele
morena, óculos escuros e bigode. Ele me explica como faz os cabelos de suas
clientes, sem ao menos eu ter perguntado nada. “Eu procuro fazer uma pesquisa
com a cliente, perguntar aonde ela vai, o evento, com que roupa ela vai, hoje
veio uma loira que seria madrinha de casamento do irmão, ela gastou R$300 no
vestido, e na hora do cabelo ela fala que quer fazer apenas uma escova. Porra!
Ela faz a maior produção, vem num profissional capaz de fazer um corte à altura
do evento e da vestimenta, e ela me pede isso?!”, João fica inconformado, como
se suas habilidades, com as quais trata de modelar as mais diversas modelos -
entre elas, todas as mulheres da feira do automóvel - estivessem sendo
menosprezadas por aquela mulher. “Se é para começar grosso e acabar fino é
melhor nem fazer”, ele termina e sai batendo o portão branco de metal, com
resquícios de art nouveau ao sair do salão para comprar algo.
Em dois dias indo ao
salão, é a primeira vez que tem menos de 10 pessoas. São 18h20min e há nove
pessoas no salão, Luiz faz em um menino de 9 anos o corte do cantor pop
internacional Justin Bieber, após alguns minutos o novo sósia de topete sai
satisfeito, mas Luis fala para a matriarca “Se ele não gostar, pode trazer que
a gente ajeita de novo”, como se ele percebesse o desgosto do menino quando ele
chegasse em casa.
Alguns funcionários já vão
embora por causa da pouca quantidade de clientes. Mas os poucos ainda vibram
com um gol do Corinthians, outros não. “Isso ta combinado!”, Cosme grita
irritado pelo resultado.
Enquanto o clássico São
Paulo e Corinthians está em seus minutos finais, com o placar de 2x0 para o
Timão, Cosme continua nervoso com o resultado. Mas do lado de fora desse
“espaço”, as pessoas do “mundo real” passam e dificilmente alguma não acena para
os irmãos amargosenses, ou pelo menos dão um “oi”, mostrando simpatia das
pessoas do bairro da Vila Guilherme pelos dois.
A noite cai, são 20h03min,
o salão está na “rota de fechamento”, com apenas três clientes, uma família de
bolivianos. Dois garotos, um de 5 anos, que não para quieto no salão, correndo
por todos os lados e espaços possíveis, aquietando-se apenas quando é colocado
na cadeira. Um suporte almofadado de madeira é colocado abaixo do pequenino, na
tentativa de fazê-lo ganhar centímetros preciosos, consegue. Ele já se olha no
espelho, e Luis começa a fazer o seu trabalho.
Já o outro está na faixa
dos 16 anos, é bem mais sério que o irmão, a idade é a responsável, ele fica
sob os cuidados de Ailton. Enquanto o mais novo “apara as pontas” e o mais
velho faz um moicano, a mãe dos meninos decide lavar o cabelo e cortar as
madeixas com o Sandro, que não fica de flerte com ela, pois o marido esta
olhando. Ao patriarca da família cabe a triste missão de ficar esperando, e
pagar a conta no final.
As funcionárias vão
fazendo as unhas umas das outras, e lavam os cabelos, para tirar o cansaço do
longo domingo. Os homens vão discretamente limpando o salão principal e
assistindo o programa do Faustão. Passa das 21h, a manicure guarda
os utensílios após terminar com a amiga-cliente, e Luis finalmente acaba o
serviço, a família boliviana sai satisfeita. Começam a puxar as cadeiras e
mesas para limpeza geral.
“Agora vamos conversar lá
no fundo”. Esse é o momento que eu esperava ao longo de dois exaustivos dias.
Fomos ao segundo salão para não atrapalhar a limpeza, ele se senta numa cadeira
giratória de metal, eu sento em uma normal mesmo. Enquanto escrevo, ele não
esconde o espanto, “Caramba! Você escreve muito mesmo. Igualzinha a uma
repórter da Rede Globo que veio aqui outro dia, escrevia por
horas num cantinho, pra depois entrevistar e fazer a matéria”. O homem está se
referindo a uma matéria feita para o telejornal matutino Bom dia São
Paulo, quando fizeram uma gravação do salão numa reportagem sobre o
crescimento da indústria dos salões no Brasil.
Nasceu em uma comunidade
pobre no Sul da Bahia, a cidadezinha tem pouco mais de 30 mil habitantes.
“Morei lá até os 18”, diz o dono do salão, com olhar distante, como se
estivesse fazendo um retrospecto de seus 35 anos de vida, seu corpo demonstra
exaustão, já a mente tem uma agilidade sem tamanho, buscando memórias perdidas
com o tempo. Sua face alegre fica com um semblante sério.
“Comecei a trabalhar com
oito anos de idade, era lavrador, roceiro mesmo na fazenda”. Se referindo à
fazenda onde seu pai Aluísio José Gonçalves era gerente e a dona Neuza Lopes
Gonçalves era doméstica. Ele trabalhava de manhã para ajudar a família enquanto
estudava no colégio à noite, foi assim até a 4ª série, largou os estudos para
se dedicar apenas a fazenda, seu irmão Ailton trabalhava com ele também. Essa
ainda é a realidade de muitos brasileiros nas regiões Norte e Nordeste do país.
Em junho de 1993 segue seu
sonho. Cansa de criar calo na mão por causa da fazenda, “sempre tive o sonho de
vir pra São Paulo, não gosto de roça, eu gosto do povão”! Ailton também vem em
dezembro do mesmo ano no “pau-de-arara” – caminhões onde emigrantes do norte do
país saem para outros estados, contém varas longitudinais sobre as quais se
estende uma lona como cobertura – diz o irmão mais velho feliz por conseguirem
realizar seu sonho.
Lembra de seu currículo na
cidade, “fui faxineiro 3 meses, 6 meses de copa e trabalhei durante 7 anos em
padaria, como ajudante, padeiro e confeiteiro”. O rapaz de mão dura e calejada
aprende a “massagear” massa de pão, mostrando igual habilidade em lavrar a
terra e fazer pães. Veio para trabalhar com o tio Juarez, conhecido como
“bule”, ele era chefe de cozinha no Caribe. O jovem Luis não pôde ir junto por
causa do alistamento militar. Por isso, decidiu ir trabalhar em padaria, afinal
precisaria se sustentar. Morava nessa época com outro tio, Santo Lopes, conhecido
como “chaleira”, esses tios tinham esses apelidos por serem muito unidos e
trabalharem no ramo gastronômico. Morou 1 ano com ele pagando aluguel, depois
foi comprar um “barraco” em Cumbica, Guarulhos no ano de 1996.
Em 1999, faz seu curso de
cabeleireiro de dia e trabalhava na “padoca” a noite, diz ter escolhido a
profissão “ao acaso, não queria trabalhar a noite”, justifica. Ele nega
influência da família, com três tios que herdaram a mesma profissão.
Enquanto Ailton aprendia sobre
cabelo no salão do tio Fernando, Luis ao final do curso trabalhava num salão em
Santana de dia – o salão Marinas – e mantinha a padaria à
noite. Mas em 2001 ele larga a arte de fazer pão, para “se dedicar 100% ao
cabelo”. Foi trabalhar com o tio e o irmão até o ano de 2008, quando Fernando
vendeu o salão para outra equipe por decorrência do cansaço, causado por um
acidente. Com isso, Luis e Ailton saíram desse lugar pouco tempo depois,
“ficamos um mês para achar esse espaço que você esta vendo”, ele me diz.
Eles eram o diferencial no
salão do tio, não foi difícil imaginar que fariam clientela no novo salão
chamado Os Bahianos que existe à 2 anos, atendendo mais de 2
mil pessoas por mês, trabalhando mais de 15 horas por dia, todo dia, fechando
apenas quando não houver mais clientes. Recentemente conseguiram abrir um site
na internet.
Ele alega querer mais. “Eu
quero realizar muita coisa. Comprar uma casa própria, dar conforto para mim e
minha família”, ele diz com imponência. Esse é o próximo sonho de Luis
Gonçalves, dar um lugar digno para ele, sua mulher e filha de um ano e meio,
sua irmã e o irmão Ailton viverem. Quando pergunto sobre sua casa, diz viver em
um usucapião – terreno sem dono, onde foi construído uma casa irregular onde o
baiano mora – pergunto se ele na tem medo do dono voltar, ele responde
tranqüilo, “até hoje na apareceu o dono”. Faz 14 anos que ele está lá.
O fim de mais um dia
Sandro entra no local
dizendo que vai fechar o salão, “esta tudo limpo”, fala. A entrevista termina.
O homem que “gostava de enfeitar bolos, e passou a enfeitar cabelos” está
sonolento, precisa ir pra casa, ver sua filha antes que ela adormeça.
As mãos que passaram pela
enxada, enfeitaram e manusearam pães e bolos e hoje constroem belos penteados,
apaga as luzes uma por uma. A vida demonstrada horas atrás vai se esvaindo
conforme vamos embora, o silêncio quase sepulcral parece invadir o salão. São
mais de 23h, o único som na rua inteira é o portão florido de metal fechando.
“Vambora que a gente te dá uma carona”, me convida Sandro e Luis, eu recuso. O
ponto de ônibus é perto e não quero atrasá-los.
Afinal, amanhã bem cedo os
secadores serão os despertadores novamente dos vizinhos mais preguiçosos que
acordam tarde na segunda feira. Porque para o salão Os Bahianos,
não a tempo de descanso enquanto houver cabelo a ser cortado.